domingo, 26 de agosto de 2012

AUTOBIOGRAFIA



No início
Eu não era nada

E quando um dia
Achei que eu fosse tudo
Descobri
Que eu não era
Simplesmente
Nada mais
Do que
Ninguém

Má Antunes, 26/08/2012

OBLIVION



Este poema é uma homenagem e uma tradução em palavras da musica de Astor Piazzola cujo título procurei manter



Saiu pelo mundo
Dançando
Ao som da sua tristeza

As lágrimas
Caiam sobre a partitura
Compondo
Os próximos acordes

A cada nota
Uma dor
A cada nota
Uma angústia
A cada nota
Uma mágoa

Mas seu choro era silencioso
De uma alma trancada
No fundo de um baú
Simplesmente oblivion
Simplesmente, esquecida

Má Antunes, 26/08/2012


segunda-feira, 20 de agosto de 2012

CHUVA DE INVERNO


          Parecia que ia ser uma segunda-feira como outra qualquer. Um dia ensolarado e seco de inverno. Temperatura um pouco alta para a estação. A agenda cheia fez a manhã passar sem eu perceber. Pausa para o almoço que saco vazio não para em pé.
         Como todos os dias coloquei o fone no ouvido, minha rádio preferida de sempre, música nacional, óculos escuros e fui para o restaurante de costume. Mesmo restaurante, mesma comida. Tudo seria como de costume se algo não tivesse mudado essa rotina.
         Chegando ao restaurante, assim que coloquei o pé na porta não pude deixar de perceber. Bem de frente para a porta, mal dava para enxergar. Com seus não mais do que dois anos, olhinhos de jabuticaba, bochechas rechonchudas e rosadas e cabelinho curto e cacheado. Nossos olhares se cruzaram de imediato. Fui seguindo em direção ao fundo do restaurante onde são colocados os rechôs com pratos quentes e frios e ela foi me acompanhando com o olhar até onde seu pescocinho conseguia aguentar.
         Servi-me na sequência de costume: primeiro a salada e depois os pratos quentes, e sem perceber acabei me sentando ao lado dela, como se uma energia tivesse me atraído até lá. Ela me sorriu e eu, correspondi. Comecei a comer e sem perceber toda minha pressa naquele momento tinha me abandonado. Comi mais devagar do que de costume. Saboreei cada pedacinho da minha comida. E ela, continuava a me olhar.
         Arrisquei uma conversa:
         - Tá gostoso esse papá?
Não sei por que temos essa mania estúpida de falar com crianças como se fossem uns bobos, pois nós é que parecemos bobos com esse diálogo infantil. Mas ela nada respondeu, apenas me sorriu. Um sorriso puro, ingênuo, daqueles que vem do fundo da alma. E me ofereceu sua batata frita.
- Não, obrigada! – respondi tentando corresponder o mesmo sorriso. E apesar de não ter a mesma pureza e a mesma ingenuidade, senti que meu sorriso também surgiu do fundo da minha alma. Alma que naquele momento estava mais leve.
Pela primeira vez depois de muito tempo consegui almoçar sem pensar em problemas, em contas para pagar, em expectativas futuras. Foi como se o mundo parasse naquele momento para o almoço.
Ela pegava uma batata frita, colocava na boca, mastigava e sorria. E eu, colocava um bocado de comida na boca, mastigava e também sorria. Foi uma conversa intensa sem nada dizermos uma para a outra. Um diálogo profundo de conversa de almas. Um momento terno. Um oásis no meu deserto de conflitos, dúvidas, angústias, frustrações e expectativas.
Terminada sua refeição, seu pai a carregou no colo e se dirigiu ao caixa que ficava bem na minha frente. Ela olhou para mim sorriu e acenou me dizendo “tchau”. Eu sorri e acenei também. Mas não senti neste momento um “adeus”, mas sim um “até breve”.
Esta teria sido uma segunda-feira como outra qualquer, se eu não tivesse almoçado ao lado de um anjo. Aquele sorriso fez chover na estiagem dos meus dias.

Má Antunes, 20/08/2012.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

CATADOR DE ESTRELAS


Só queria colher
Estrelas com as mãos

Plantou sonhos
No jardim da esperança

Regava todos os dias
Com sorrisos
E esperou crescer
Junto de suas expectativas

Um dia escalou a fé
E ordenhou a via láctea

Má Antunes, 11/08/2012.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

EPITÁFIO



Talvez eu termine meus dias
no silêncio do bater de asas
de uma borboleta.
Talvez eu termine meus dias
no canto de um passarinho.
Talvez, quando amanheça
eu seja o brilho
na gota de orvalho.
Talvez eu seja o galho
que ampara a flor para o beija-flor
e dá suporte ao ninho.
Talvez eu desperte, serena,
sereia nas águas doces
que escorrem dos olhos da montanha.
Talvez eu seja apenas o lamento
da folha seca que cai
na despedida do outono.
Talvez eu termine meus dias
no sorriso inocente da criança
empinando a pipa nos campos
Talvez eu renasça
no último suspiro da velhice
Talvez, quando a morte vier me buscar
eu esteja tão distraída
olhando a luz das estrelas
que ela passe, completamente,
despercebida.

Má Antunes, 03/08/2012.

DESPERTAR



Um dia, mais um dia, e mais um dia, e mais um dia e mais um dia
E mais um dia, mais um dia, mais um dia e mais um dia
Mais um dia, e mais um dia e mais um dia
E mais um dia, mais um dia
Mais um dia
E hoje
O dia não amanheceu.

Má Antunes, 03/08/2012.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

VÍCIO



O primeiro dia foi muito difícil. Passei o dia irritada, nervosa, tive até taquicardia. Dormir então, quem disse que o sono me vinha. A tentação era muito forte. Mas consegui resistir.
         O segundo dia foi um pouco mais brando, mas nem me arriscava a chegar perto. Nem por foto eu me atrevia a ver. Mas depois de ter vencido o primeiro dia senti que seria possível.
         Os dias foram passando e eu percebendo que conseguiria viver sem isso. Sentia-me cada vez mais forte. Sentia que era dona dos meus desejos, que eu os dominava e não eles a mim.
         Mas depois de um período de tempo veio a crise de abstinência. Aquele desejo enlouquecedor de ter aquilo novamente. Aí a gente pensa: “é só mais uma vez, só uma, só para sentir aquele gostinho novamente e depois me livro para sempre”. Um verdadeiro tormento da luta entre a razão e o desejo.
         Ah! Um dia ainda me livro desse vício de amar você!