segunda-feira, 17 de outubro de 2011

ESTRANHO SORRISO



A falência da empresa; a dissolução do casamento; a briga pela guarda dos filhos; a morte do melhor amigo; os péssimos resultados dos exames de rotina. Um conjunto de fatores que agregados fazia-lhe perder o gosto pela vida. Foi assim que acordou naquela manhã, sentindo-se num buraco negro. Que motivos tinha ainda para continuar? Era com essa pergunta na cabeça que saiu de casa pela manhã, andando pelas ruas sem rumo e sem saber o que fazer.
Parou na esquina aguardando que abrisse o sinal de pedestres.
E se atravessasse agora? Passou essa questão repentinamente em sua cabeça. Mas o trânsito estava tão tranquilo que os carros teriam tempo suficiente de frear sem conseguir dar cabo da sua vida. Iria apenas arrumar mais um problema: quebrar-se todo e ainda não teria dinheiro para arcar com os custos do hospital. Que droga, não tinha competência nem para um suicídio decente!
Seu olhar perdia-se ao longo da faixa de pedestres até que encontrou-se com um outro olhar. Bem ali, do doutro lado da rua, estava uma senhora de seus 80 anos, cabelos brancos, pele alva, olhos azuis como o céu. Parecia um anjo na terra. E de repente ela lhe abriu um largo sorriso, desses que iluminam um quarteirão numa noite escura.
Olhou atentamente, pois achou que tratava-se de alguma conhecida. Mas puxou pela memória e aquele rosto não lhe parecia nada familiar. Será que era alguém que o conhecera ainda pequenino? Realmente não se lembrava.
O sinal abriu para os pedestres, então começou a travessia sem tirar os olhos daquela mulher (e ela dele). E ela continuava a lhe sorrir.
Chegava cada vez mais próximo, mas seu semblante não lembrava ninguém. Agora tinha certeza, nunca tinha visto aquele rosto antes.
Ao passar por ela sentiu seus pulmões encherem-se de ar como se um anjo tivesse lhe soprado à boca. Aquilo só podia ser um anjo, não tinha outra explicação. Sentia agora seu corpo mais forte, mais ereto, tinha até vontade de sorrir. Chegou ao outro lado da rua como se tivesse atravessado a ponte para uma nova vida. Olhou para trás para pelo menos retribuir o sorriso, mas o anjo tinha desaparecido na multidão.

Má Antunes, 17/10/2011.

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