segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

INDIFERENÇA


A sala escura iluminada por uma pequena fresta de cortina mostrando a lua tão minguada quanto eu.
         Dose e meia de uisque com duas pedras de gelo para anestesiar a dor e previnir um inesperado arrepedimento.
         A secretária eletrônica espera uma ligação desesperada de pedido de perdão.
         O aparelho de som vomita boleros numa noite inteira de choro e angústia.
         A porta entreaberta aguarda uma visita surpresa.
         Sentada no sofá, sinto sua indiferença gotejando pelos meus pulsos marcando o tempo do bolero até a última música.
         Pela manhã a poça de sangue vibra no chão com a campainha do telefone e na seqüência sua voz doce me chama:
         - Oi amor, você está em casa? Perdi o vôo e a bateria do celular acabou.

         Má Antunes, 26/12/2010.

SONHOS

       Foto de Sergio Ranalli

Quantos sonhos não cabem
Em um canto de vida
Tantos ficam à margem
De uma história sofrida

Um foco, uma imagem,
A imaginação
É seguir em viagem
Com sofreguidão

Sonhar é possível
Pra quem quer emoção
Uma vida invisível
Ou mera opção

Só um ser invencível
Pode sobreviver
A uma vida incrível
De miséria e poder

Quantos sonhos não cabem
Num simples querer
Numa luta selvagem
De ganhar ou perder

Má Antunes, 26/12/2010.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

SONETO DE NATAL



As canções se ouvem do oriente,
Aos cunfins da terra neste dia,
Dando glória a Deus pelo inocente,
Que ora habita a humilde estrebaria.

E Papai Noel o velho agente,
Vai de porta em porta qual mania.
Distribuindo aqui e ali um presente,
Vendo em tudo um riso, uma alegria.

Mas a mim, Noel, essa mania,
Não me “cola”, é coisa de inocente.
Pois qual desses teus me serviria?

Nenhum deles, creias, certamente
Que jamais, meu velho, encontrarias.
Pois já deste há tempos o meu PRESENTE.

Por meu pai, Henrique Rogério Antunes, que presenteou minha mãe com este soneto no natal de 1960.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

PRESENTE DE NATAL

Esperei ansiosamente pelo natal. Eu havia escrito uma carta para o Papai Noel pedindo um carrinho com controle remoto. Sabe daqueles carrinhos que acendem os faróis, abre as portas, andam pra frente e pra trás, giram em círculo? Era esse que eu queria. Mas esse carrinho custa caro e meu pai não tinha dinheiro para comprar. Então, fiquei sabendo do endereço do Papai Noel e escrevi uma carta para ele. Soube que ele sempre atende aos pedidos das crianças e certamente iria atender ao meu.
         Passei o dia na mais pura expectativa. Mal podia esperar por àquela noite. Finalmente iria ter o meu tão sonhado carrinho com controle remoto. Nem estava me importando de não termos ceia de natal, pois meu pai estava desempregado e o que minha mãe ganhava com seu trabalho mal pagava as das despesas da casa.
         Quando foi caindo a noite, logo após nosso humilde jantar, minha mãe disse para eu dormir cedo, pois o Papai Noel só viria quando eu já estivesse em sono profundo. Terminei minha refeição e fui para a cama fazer minha oração. Agradeci a Deus por mais um ano, pela minha saúde, pela minha família, pela minha comida, pela minha casa e disse que estava muito feliz porque sabia que o Papai Noel iria trazer meu carrinho com controle remoto.
         Eu tentava dormir, mas minha expectativa me agitava. Ficava imaginando a embalagem do presente embaixo da árvore de natal. Árvore feita de um pequeno galho de pinheiro cedido do resultado da poda da árvore do vizinho. Perdido em meus pensamentos, adormeci.
         No dia seguinte levantei antes do cantar do galo e corri para pegar meu presente embaixo da árvore. Mas quando olhei não vi nenhum pacote que se parecesse com a caixa de um carrinho. Aliás, não havia nada embaixo da árvore. Vi apenas um pacote comprido encostado ao lado. Era um embrulho de presente. Será que Papai Noel resolveu fazer alguma brincadeira comigo? - pensei – e quando abri o embrulho vejo apenas um cavalinho-de-pau, feito de cabo de vassoura e carinha de papelão. Papai Noel deve ter se enganado, minha carta extraviado ou meu endereço não encontrado! Não pude esconder minha frustração.
         - Feliz Natal! Disse meu pai com a voz embargada e os olhos cheios de lágrimas.
         - Vá brincar no quintal – ordenou minha mãe tentando contornar a situação.
         Saí arrastando cabisbaixo meu cavalinho. Fui para a rua ver os presentes que Papai Noel teria dado, quem sabe presentes não teria trocado. Vi algumas bolas, pipas, espadas. De repente sinto algo bater em meu pé: era um carrinho com controle remoto. O meu carrinho que eu havia pedido para o Papai Noel! Poderia agora desfazer o engano do pobre velhinho. Voltei a si quando ouvi uma voz fraca me dizer:
         - Me desculpe! Eu ainda não consigo manipular bem esse controle remoto.
         Olhei para trás e vi aquele meu vizinho que, por ter sido vítima de um acidente, ficou tetraplégico numa cadeira de rodas e pouco conseguia mexer os braços. Fiquei por um tempo parado olhando para o garoto e para o meu cavalinho. Então, entendi que Papai Noel não tinha se enganado, mas sim os presentes adequado.
         Voltei correndo para casa, saltitante em meu cavalinho, feliz por aquela atitude do bom velhinho. Abracei meu pai e agradeci por ter me dado de presente de natal apenas um cavalinho-de-pau.

         “Muitas vezes nos frustramos por não conseguirmos o que esperamos da vida. Mas se algumas situações não acontecem é porque simplesmente elas não estarão extraindo de nós o máximo do nosso potencial.”

Má Antunes, 20/09/2010.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

SONETO DA CANTORIA


Aos pés do Morro da Tormenta
Em noite de lua minguante
O povo da roça comenta
Um pássaro chega cantante

E pousa na beira do lago
Seus lindos acordes entoa
Inflando seu peito tão largo
Jogando o seu canto à toa

E canta até o amanhecer
Sonetos de sã liberdade
Fazendo a todos sorrir

Pois preso irá padecer
Seria uma grande maldade
Seu canto não mais se ouvir

Má Antunes, 22/11/2010.


SÚPLICA


Não vá ainda
Tome mais um café
Enquanto a noite não finda

Não morra agora
Espere um pouco mais
Deixe para morrer amanhã
No raiar da aurora

Não parta amor
Fique mais um pouco em meu peito
Deixe eu sentir seu calor
Não faça morrer esse ardor
Que abrasa o nosso leito

Não me deixe sozinha
Me conte suas histórias
Fale de suas vitórias
Revolva suas memórias

Não se despeça de mim
Cante até eu dormir
Pois eu não quero
ver você partir
Deixe eu ficar
Com a doçura da sua voz
pra que amanhã
eu possa sorrir

Não diga adeus
Diga até logo
Pois o seu carinho
eu rogo
O seu aconchego
eu suplico
Por isso me diga:
eu fico
Mas,
Não vá amor.

Má Antunes, 22/11/2010.

MENINA DOS OLHOS


Vejo a menina
no brilho dos olhos
Ela dança
como criança
Pula, rodopia
Ela é só alegria
faz travessura
Mas a menina
é pura
É arteira
é faceira,
ela só quer
brincadeira

Quando chora
Ela brilha
Feito estrela cadente
Mas seu sorriso
É quente

Olho pra ela
Vejo sua alma
E a sinto
tão calma

À noite
ela se esconde
não sei onde
Coberta em seu manto
Recolhida em seu canto
Ela é toda encanto
Dorme como um anjo

Má Antunes, 19/11/2010.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

DEU A LOUCA NOS CONTOS DE FADAS


           Toda história de contos de fadas sempre acaba com aquele final previsível de “E Eles Viveram Felizes para Sempre”. Enfadados dessa rotina sem graça os protagonistas das histórias resolveram se rebelar e mudar essa situação dando um pouquinho mais de emoção em suas vidas.
          Chapeuzinho vermelho, olhando melhor para o lobo, achou sua beleza exótica. Ambos deram cabo da vovozinha, passaram a mão na aposentadoria dela e foram passar umas longas férias no Caribe.
          Cinderela, por conta de uma crise de joanete, não pode experimentar o sapatinho de cristal. O príncipe, sem saber o que fazer, ficou ali, olhando para o sapatinho. Achou o modelito interessante. Pediu o outro pé para a Cinderela e foi trabalhar como transformista em uma boate gay.
          Pinóquio percebeu a grande utilidade que tinha aquele seu nariz. Arrumou um emprego em um clube de mulheres e passava todas as noites dizendo para as mulheres feias, gordas e cheias de celulites que elas eram umas princesas. E elas se deliciavam com aquele seu nariz.
          Branca de Neve enjoou daquela corzinha pálida. Fez um bronzeamento artificial, tornou-se madrinha de bateria da escola de samba que formou junto com os sete anões e deixou que o príncipe se contentasse em comer só a maçã.
          Os três porquinhos, de tanto construir novas casas perceberam que adquiriram um certo no how. Formaram-se em engenharia e arquitetura, abriram uma construtora e contrataram o lobo para trabalhar no setor de demolição.
          Rapunzel se deu conta o valor que tinham aqueles seus longos cabelos. Cortou suas tranças, vendeu para um instituto de mega hair e deixou que o pobre coitado do príncipe subisse até a torre pelas escadas.
          Bela Adormecida, sentindo um bafo de onça ao ser beijada pelo príncipe, preferiu continuar dormindo e mandou o príncipe beijar o sapo.
          João e Maria criaram uma dupla sertaneja e, juntamente com a Formiga e a Cigarra que também formara uma dupla, saíram em turnê pelo mundo com o show “Amigos”.
          O outro João, aquele do pé de feijão, abriu sociedade com o gigante em uma barraca no CEASA para vender as sementes daqueles feijões mágicos e ficaram milionários.
          Bem, não sei se eles foram “Felizes Para Sempre”, mas que a vida deles ficou bem mais interessante, ah, isso ficou!

Má Antunes, 25/10/2010.


DESCONHECIDO


Quem é você?
Que me faz sonhar acordada
Domina dos meus pensamentos
E me deixa com olhar tão distante?

Quem é você?
Que me faz sorrir por nada
Aquece meu corpo a todo momento
Infla meu peito em suspiros constantes?

Quem é você?
Que tira meu sono na madrugada
Me faz jogar palavras ao vento
E desejar teu abraço a todo instante?

Quem é você?
Que minhas dores fez curada
De minhas feridas foi ungüento
Mas no meu coração saudade cortante?

Quem é você?
Que fez minhas fantasias realizadas
E eu uma louca em puro tormento
A cometer atitudes infantes?

Quem é você?
Que dos meus dias fez contos de fadas
Da minha boca tirou o lamento
Deixando minha vida não mais como antes?

Quem é você?

Má Antunes, 05/11/2010.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

QUERIA


Queria tocar tua alma
Sentir teu calor em minha palma
Cheirar o teu corpo com calma

Queria beijar tua boca
Amar você feito louca
Gritar teu nome até ficar rouca

Queria olhar teu semblante
Queria ser tua amante
Te ter em meus braços só um instante

Queria me entregar toda nua
Dançar com você sob a lua
Queria somente ser tua

Queria te fazer um carinho
Levar você pro meu ninho
E te falar de amor bem baixinho

Queria te levar para o céu
Cobrir o teu corpo com mel
Guardar você como um troféu

Queria compartilhar o meu dia
Te aquecer numa noite tão fria
Preencher minha vida vazia

Queria encurtar a distância
Do coração tirar essa ânsia
Contigo voltar à infância

Queria, queria,
Queria você!

Má Antunes, 27/10/2010.


sábado, 23 de outubro de 2010

COMBUSTÃO


Voz no ouvido
eriçando a pele

Atrito intenso
de tegumentos suados
provocando faíscas

Odor másculo
de feromônios ativos
aguçando as narinas

Doce sabor de língua
em meus lábios

Linda visão
do teu contorno rude

Combinação perfeita
de cinco sentidos:
Pura combustão!
Explodo de prazer!

Má Antunes, 22/10/2010.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

FRUTO PROIBIDO


Mergulho nesse orifício
Sorvendo o néctar dos deuses

Repouso suave
Nesses gomos macios
Doces como a tâmara
Ardentes como a brasa
Perigosos como a morte

Mas morreria
Só para ir ao teu céu
E tocar com a ponta da língua
As estrelas do teu pálato

Beberia até a última gota
Do veneno que destilas
Mordendo esse fruto proibido
Que me conduz ao paraíso
Tirando-me do inferno
Da solidão que me angustia

E sugaria essa seiva
Extraindo do tronco
O mais puro látex
Na esperança
De selar teus lábios nos meus.

Má Antunes, 18/10/2010.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A ROSA


Era rosa
A rosa
Do meu bem querer

Tinha perfume de rosa
Era tão cheirosa!
A rosa
E me deu prazer

Tinha espinhos de rosa
Era valente!
A rosa
Mas não me fez sofrer

Mas era suave
E dengosa
A rosa
Que me fez viver

Má Antunes, 29/09/2010.

domingo, 3 de outubro de 2010

BULA



Os homens deveriam ter bula
Pra sabermos sua composição
Pois é necessário saber
Se provocam intoxicação

Os homens deveriam ter bula
Pra sabermos sua utilidade
Pois se mal aplicado
Causam irritabilidade

Os homens deveriam ter bula
Pra sabermos as reações adversas
Pois muitas vezes provocam
Emoções tão controversas

Os homens deveriam ter bula
Pra sabermos o modo de usar
Pois seu consumo excessivo
Pode até nos matar

Ministério da saúde adverte
Use com moderação
Pois caso contrário
Pode ter grande decepção

Má Antunes, 01/10/2010.

MORTE E VIDA


Morro a cada dia
Morro de saudades
Morro de amor
Morro de raiva
Morro de rir

Mas também vivo
Vivo esperando
Vivo sonhando
Vivo cantando
Vivo escrevendo

Vivo morrendo
Morro de viver

Má Antunes, 01/10/2010

IN-VERSO


Calaste meus versos
Na boca-da-noite
Agora
Só me resta esperar
Pelo choro
Do nascer do sol

Má Antunes, 29/09/2010

AMPULHETA


Cai o tempo
Feito grãos de areia
Escorrendo a vida
Pelos vãos dos dedos
E leva consigo
Minha juventude
Deixando em mim
Fragmentos de memória
Partículas de alegria
E cicatrizes de dor

Cai o tempo
Sem piedade
Escrevendo em meu rosto
Com linhas de expressão
Minha história sofrida
Arqueando meu corpo
Com o peso dos anos

Cai o tempo
E quando cair
O último grão de areia
Virarei essa ampulheta...

Má Antunes, 27/09/2010.

ANOITECER


Está ficando tarde
O amor anoitece
Em escuridão de lua nova
As estrelas
Já não briham mais
São estrelas cadentes
Levando em seu rastro
Sentimentos adormecidos.

Má Antunes, 24/09/2010.

CLICK


Registra num click em quadrantes perfeitos
Encantamentos ocultos em poses passivas
Natureza ou nas ruas busca em efeitos
Almas perdidas de auras tão vivas

Talentoso guerreiro de câmera e flash
Olhos de lince em presas hostis
Silencioso arqueiro que lento se mexe
Oprimindo as feras em movimentos sutis

Alquimia perfeita de sombra e de luz
Riqueza de imagens que capta em ação
És poeta das formas que a tudo traduz
Sensível retrato de pura emoção

Má Antunes, 22/09/2010.

OLHAR


(Para Renato Soares – fotógrafo e documentarista)

Tens um olhar
Que vê a beleza
Que outros olhos
Não conseguem captar

Num piscar de olhos
Pára o vôo do pássaro
Congela o movimento das águas
Suspende a queda da folha
Amansa as feras

Faz nascer luz
No choro da criança
Eterniza a beleza da juventude
Registra o suspiro de saudade
Expresso nos ossos arqueados
Da terceira idade

Faz viva
A natureza morta
Tira a rotina do cotidiano
Traz o passado de volta a vida
E do presente faz futuro

Vê a vida por cima do muro
Vê a dor, o desespero, o grito
Vê a luta, o protesto, o rito
Vê a alegria, o sorriso, a vitória
Registra tudo na memória
Na memória do olhar

Má Antunes, 13/09/2010.