quinta-feira, 3 de julho de 2014

PERMISSIVIDADES & PERVERSIDADES


Às vezes
Precisamos nos permitir

Permitir um abraço
Um banho de chuva
Pisar na poça d’água

Um bolo de chocolate
Uma garrafa de vinho
Um analgésico

Permitir uma castidade
Uma transa sem compromisso
Um amor eterno (mesmo que dure só uma semana)

Comprar uma roupa nova
Uma viagem à Paris
Abrir uma poupança

Fazer uma desfeita
Fazer uma coisa de forma perfeita
Aderir a uma seita

Uma posição nova
Uma loucura
Uma convenção

Uma conversa com um amigo
Falar sozinho
Ficar em silêncio

Precisamos nos permitir
Chorar até o pegar no sono
E depois rir até a barriga doer
Passar a noite em claro
Perder a hora
Acordar às cinco da manhã

Fugir de casa
E voltar no dia seguinte
Como se nada tivesse acontecido

Nos permitir um suicídio
Para depois renascermos
Ainda mais fortes

Fazer uma dieta
Fazer uma gula
Fazer um prato requintado

Andar de bicicleta de olhos fechados
Tocar a campainha e sair correndo
Resgatar nossa criança interior

Nos permitir um sonho
Um novo projeto
Uma realidade dura

Às vezes
Tudo o que precisamos
É nos permitir ser exatamente quem somos
Nos permitir
Ser feliz


Má Antunes, 03/07/14 

segunda-feira, 23 de junho de 2014

DESCOBERTAS


Nos descobrimos aos poucos
Despimo-nos lentamente
Para, enfim, conhecermos nossa verdade
Nua e crua
E minha carne a roçar na tua
Sentiu, finalmente, o sabor da liberdade
Quando a tua verdade ardente
Foi nos deixando feito loucos


Má Antunes, 23/06/14

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

INSTANTE


E naquele momento
Todo o mundo era somente 
Eu e você

Repousei sobre o teu peito
Todos os meus anseios
Deixando que as dúvidas
Mergulhassem no sono mais profundo

Na serenidade do teu silêncio
Tranquei a realidade num quarto escuro
Só para apreciar, sem medo
O céu dos nossos sonhos
E fugir no rastro
De uma lépida estrela cadente
A me conduzir ao paraíso
Onde eu pudesse descansar
À sombra dos teus desejos
E viver por toda a eternidade de um segundo
A esperança de ser
O seu único e maior amor

Má Antunes, 03/01/2014

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

DISCORDÂNCIAS


Depois de muitas análises sintáticas
De todo nosso contexto
Resolvi dar um zero
Para a nossa construção literária.

Percebi que meus adjetivos
Não combinam
Com o seu substantivo.

Nossos verbos
Não concordam.

Que eu
Sou uma dissertação científica
E você
Uma ficção literária
Que nem me serve de autoajuda.

Cansei das suas metáforas
E semânticas

Sua linguagem
É coloquial demais
Para as minhas formalidades.

Nossos advérbios
Não ficam mais
Adjuntos.

Você
É um agente muito passivo
Na minha oração
E não me complementa mais
Nominalmente.
Virou um sujeito oculto
E eu
Te queria como um objeto direto

Nossos momentos
Estavam sempre entre parênteses.

Havia muitas vírgulas
Reticências e etc.
E poucos gerúndios.

Quando te vejo
Já não sinto mais exclamações.

E depois de muitas interrogações
Resolvi fechar aspas
E colocar um ponto final
Nas nossas discordâncias.

Má Antunes, 16/09/13.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

ENTREGA


A castidade em que me guardo 
É o fogo que te consome
E faz arder em tuas veias
O desejo pecaminoso
De acordar meus demônios
E o sonho
De adormecer em meu colo 

À distância sigo teus passos
E sem perder o compasso, 
Equilibramos na corda bamba 
Da linha do tempo.

E a vida pende
Entre a loucura de viver incertezas
E a solidez de uma realidade morta

Mas não fecho essa porta
Abro os braços para um salto mortal
Atirando minha escassez
No poço dos teus desejos
Ávida apenas por um beijo
E pouso suave toda minha espera
Na voracidade da tua fome
Tornando-nos uno de alma e de carne
Tornando-nos
Um alguém que não tem nome


Má Antunes, 03/07/2013.

terça-feira, 2 de julho de 2013

ÚLTIMO DESEJO


Vou afogar-te
No “cale-se” da minha boca
De não mais beber teu nome
Em gotas de sengue
Até sentir em meu peito
Teu último suspiro
E a súplica do último desejo
De viver para sempre
Em meu silêncio.

Má Antunes, 02/07/2013

sábado, 29 de junho de 2013

PROGNÓSTICO


Doutor, não me diga
Quanto tempo
Ainda tenho de vida
O pouco que tive
Já foi muito sofrida
Sei que não vim
Só com passagem de ida
A volta é certeira
Cedo ou tarde
Tenho que achar a saída

E o que vai me levar
Não é essa ferida
Vai ser a maldita
Paixão não retribuída
Essa sim
Dói feito mordida
Me consome dia após dia
Apressando minha partida
E quando penso que passou
Aí vem a recaída
Não tem jeito, não tem cura
Faz de mim um suicida

Por isso, Doutor,
Por favor, não me diga
Quanto tempo
Ainda tenho de vida.


Má Antunes, 29/06/13