terça-feira, 17 de maio de 2011

LINHA DO TEMPO


E o tempo parou
Pra eternizar a saudade
Que corta minhas entranhas

Só precisava
De um fio de tempo
Para costurar minha alma
Que de tão dilacerada
Tão gasta
Já não basta
Nem pra enxugar
As lágrimas que vertem
Do meu peito dormente

Má Antunes, 16/05/2011.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

INSANIDADE


Me embriago no mel
Dos teus olhos insanos
Que me lançam no abismo
No mais puro engano

No espiral da garganta
Da grande serpente
No abismo que encanta
Toma conta da mente

E vejo tudo girando, girando...
Como um barco sem leme
Sinto as ondas quebrando
É meu corpo que treme

O controle procuro
De uma vida tão certa
Quero um porto seguro
Uma casa coberta

Mas me entrego aos teus planos
De uma vida funesta
Hoje, sou só desenganos
Festa é o que nos resta!

Inspirado no romance “O Irresistível Charme da Insanidade”, de Ricardo Kelmer.

Má Antunes, 12/05/2011.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

REPAGINAR


Despejo palavras sobre o papel
Uma vírgula aqui, uma exclamação ali,
Aqui cabe um ponto final.
Rabisco, amasso, jogo o papel
Começo novamente
Aqui é melhor um ponto e vírgula
No lugar da exclamação uma interrogação
Hum, melhor não colocar ponto final aqui
Novamente rabisco, amasso, jogo fora
Acho que vou colocar dois pontos aqui
E aqui, reticências...
Mais uma vez rabisco, amasso, jogo
Não, aqui é melhor colocar entre parênteses
Abro aspas aqui e ali é que coloco ponto final
Pulo uma linha e inicio novo parágrafo
Poxa! Como é difícil reescrever o presente.

Má Antunes, 11/05/2011

terça-feira, 10 de maio de 2011

INOCÊNCIA


O meu hábito te encanta
Te enlouquece, te alucina
Mas não sou nenhuma santa
Tenho fogo de menina

Uso roupas comportadas
Mais pareço uma freira
Mas embaixo da mortalha
Vestimentas são faceiras

Você diz que sou pudica
Me coloca no altar
Mas bebendo dessa bica
Você bem que vai gostar

Má Antunes, 07/05/2011.

domingo, 8 de maio de 2011

ANESTESIA


Apenas uma anestesia
Que amenizou as dores
Que a vida,
Impiedosa, cravejou
Feito espinhos em meu passado

Agora, adormeço
Embalada pelo torpor
Das tuas lembranças.

Má Antunes, 05/05/2011.

A BAILARINA DA CAIXINHA DE MÚSICA


        Quando nasci, ganhei de presente uma caixinha de música. Adormecia todas as noites embalada por aquela melodia. O som que escorregava do céu feito arco íris, era meu sedativo e meu analgésico.
         Foi como descobrir o mundo quando consegui ficar em pé e ver, bem ali em cima da minha cômoda, aquela caixinha dourada com desenhos em relevo prateado. E em cima da caixinha, lá estava ela, a bailarina.
         Perdia-me no tempo, num estado quase hipnótico, observando o rodopiar num vai e vem da pequena boneca. Aquela imagem me parecia familiar. Aos poucos comecei a saltitar no berço acompanhando os movimentos dela.
         Logo nos meus primeiros passos, rodopiava junto com a bailarina sempre que minha mãe colocava a caixinha para tocar. Conquistei o encanto de meus pais que logo cedo perceberam meu talento. E quando completei cinco anos me matricularam em uma escola de balé.
         Dedicava-me ao balé mais do que aos estudos. Fui afinando os movimentos como um escultor dá forma a um pedaço de madeira. Não me contentava em ser apenas mais uma.
         Ao longo dos anos continuei empenhada nas minhas aulas, aprimorando meus passos. Até que um dia, recebi uma proposta de minha professora para uma apresentação em coreografia solo. Tão grande foi a minha surpresa, quando ela colocou para tocar a música que seria tema da apresentação. Algo tocou fundo dentro de mim: era a música “Cisne ao Luar”, da peça Lago dos Cisnes de Tchaikovsky. A música da minha caixinha de música.
         Pensei estar tendo uma alucinação. Era inacreditável que eu iria dançar justamente aquela música. Estava prestes a dar vida para a bailarina da caixinha de música.
         Ensaiei fervorosamente para que a coreografia ficasse perfeita. Os calos que se formaram em meus pés registraram para sempre aquele momento tão especial da minha vida. Nada era mais importante para mim do que dançar aquela música.
         Finalmente chegou o grande dia. Platéia cheia, nervosismo em flor. Subi ao palco e, ao bailar os primeiros movimentos um filme começou a passar em minha mente. Lembrei da primeira vez que ouvi aquela música, de quando descobri a bailarina, dos meus primeiros rodopios.
         A música acabou; as luzes se apagaram; a cortina fechou; e a bailarina adormeceu serena e realizada em sua caixinha.

         Má Antunes, 04/05/2011.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

REFLEXO



O sorriso refletido no espelho
É a sombra de um passado feliz
São as sobras de uma alegria fugaz
Restos de uma promessa em vão

A imagem suspensa
É reflexo e reflexão
São lembranças,
De um cantinho na serra
De borboletas
a dançar em nosso jardim

Vejo ainda seu corpo
Derramando em minha pele
Resíduos de um desejo perene

Fecho os olhos,
Apago o sorriso
Na frieza de uma noite sem lua
E o desejo de boa noite
Para uma noite
Que não tem mais fim

Má Antunes, 28/04/2011.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

ESQUINAS DA VIDA

Em cada esquina da vida
Há um destino de tocaia
Pronto pra nos surpreender
Passar um “rabo-de-arraia”

Em cada canto uma chacina
Aniquilando nossos sonhos
Nos trazendo à realidade
Por pesadelos tão medonhos

Em cada olhar um espanto
Um desejo, decepção
Uma vontade, uma alegria,
Uma tortura, uma ilusão

Em cada curva existe um jogo
Uma verdade que rebate
Como fosse um tabuleiro
Nos colocando em cheque-mate

Em cada esquina da vida
Briga o quero e o não dever
Disputa o anjo e o demônio
Em guerra fria de poder

Má Antunes, 27/04/2011

domingo, 1 de maio de 2011

O ENCONTRO


        Laura estava navegando na internet, em um site de relacionamentos, quando de repente vê um sinal vermelho no canto esquerdo da tela: era um pedido de adição de amigo. Antes de dar o aceite ela entra no perfil para conferir as condições. Ricardo, 44 anos, com uma foto de um homem lindo. “É muita esmola”, pensou ela, mas pagou para ver, aceitou-o como amigo em seu perfil.
         Não tardou para chegar uma mensagem dele: “seja bem vinda, é sempre muito bom fazer novos amigos”.
         Ela retribuiu carinhosamente o recado sinalizando um tímido interesse em conhecê-lo melhor.
         Assim que teve acesso ao perfil dele tratou de vasculhar tudo. Mas as informações eram breves e não existiam mais fotos no mural a não ser a foto do perfil, o que aguçava a sua curiosidade em saber mais sobre ele. Porém, resistiu ao início de uma inquisição para não parecer que estava se oferecendo.
         O tempo foi passando sem nenhuma outra manifestação até que um dia, quando ela navegava on-line pelo site, sua atenção é despertada por um rápido barulho e uma caixa de texto que se abriu no canto direito da tela.
         - Oi – iniciava Ricardo num bate-papo.
         - Oi – respondeu ela contendo sua ansiedade.
         - Tudo bem com você? – continuou ele abrindo o precedente para uma conversa que se estendeu quase noite à dentro.
         Aquele velho discurso: o que você faz? Onde você mora? O que gosta de fazer? Blá, blá, blá, e as conversas foram se tornando freqüentes e cada vez mais íntimas.
         Conversaram por uns dois meses até que finalmente marcaram um encontro. Ricardo e Laura moravam em cidades diferentes, separados por uns bons quilômetros, o que dificultava o encontro.
         Ricardo conseguira uma hospedagem na casa de amigos que moravam na mesma cidade que Laura, proporcionando a oportunidade de finalmente se conhecerem pessoalmente.
         Laura tinha várias fotos em seu mural e isto permitiu a Ricardo marcar bem o seu rosto. Ela insistia para ele lhe enviar mais fotos, mas ele alegava que não gostava de ser fotografado, porém, insistia que sua foto do perfil refletia suas imagem atual.
         Marcaram o encontro com uma semana de antecedência para a agonia dela. Semana que demorou uma década para passar.
         Como ele chegaria à cidade na sexta-feira no final da tarde insistiu em buscá-la na saída do trabalho. Ela resistia, queria estar produzida para o primeiro encontro, mas ele a convenceu dizendo que queria conhecê-la o mais natural possível.
         Hum, natural? Naquele dia Laura foi trabalhar como se fosse para um baile de gala, despertando a curiosidade de todos. Porém, ela nada contou a ninguém, guardou tudo no mais absoluto segredo.
         Marcaram o encontro em um café que ficava em frente ao prédio onde ela trabalhava, do outro lado da avenida. Um lugar aberto e bem movimentado, garantindo assim uma certa segurança à Laura.
         Ela olhava as horas a cada cinco minutos e respirava fundo para dissipar a sua ansiedade. Quando o relógio apontou 18:00h suas mãos começaram a suar em bica e seu corpo era um tremor só. Retocou a maquiagem e saiu controlando os passos para não correr.
         Naquele dia parecia que o elevador resolveu fazer escalas em todos os andares. Desceria pelas escadas se não estivesse no 9º andar. Quando a porta do elevador se abriu seu coração disparou junto com o sinal de mensagem do seu celular: “já estou aqui te aguardando”, dizia Ricardo na mensagem.
         Ela tentava esconder seu nervosismo, mas tinha a impressão que todos no elevador notavam a sua alteração.
         Saiu do prédio e caminhou até o semáforo acionando o botão do sinal para pedestres. Mais uma eternidade até que o sinal de pedestres ficasse verde para ela. “Não sei por que existe esse botão se demora o mesmo tempo que demoraria se não tivesse sido apertado”, pensava ela enquanto olhava para dentro do café na tentativa de avistar Ricardo.
         De repente, o som de uma longa buzina acompanhado de uma freada seca e o baque que joga Laura a metros de altura fazendo-a cair atrás do carro, batendo com a cabeça no chão. O motorista saiu desesperado para prestar socorro.
         - Oh, meu Deus! Eu não vi o sinal ficar vermelho! – gritava ele enquanto acionava o resgate.
         Não demorou a juntar gente que logo foi dispersado com a chegada do resgate.
         Após uma rápida avaliação dos paramédicos um triste diagnóstico: morte instantânea por traumatismo craniano.
         Laura morreu sem conhecer Ricardo.

         Má Antunes, 27/04/2011.