domingo, 11 de novembro de 2012

SAÍDA




Ele só queria
A liberdade do vento
Subir no mais alto do céu
E poder encontrar um alento

Ele só queria
Poder esquecer sua dor
Jogar pra longe a miséria
Seja pra onde for

Ele só queria
Ver o mundo de cima
Ver a saída do labirinto
Pra fome achar uma rima

Ele só queria
Poder ver um futuro
Descobrir novos caminhos
Ver a vida de cima do muro

Ele só queria
Poder um dia sonhar
Poder viver uma infância
Ter os pulmões cheios de ar

Má Antunes, 11/11/2012

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

SAUDADE



Lágrimas vertem
Do falso gozo
Por espaços mal preenchidos
De não sentir tua energia

Lembrar você
Na ponta do meu dedo
Aguça a saudade que em meu peito
Jorra como sêmen
E fertiliza a dor de não tê-lo
Comprimindo minha pele

Má Antunes, 07/10/2012

domingo, 26 de agosto de 2012

AUTOBIOGRAFIA



No início
Eu não era nada

E quando um dia
Achei que eu fosse tudo
Descobri
Que eu não era
Simplesmente
Nada mais
Do que
Ninguém

Má Antunes, 26/08/2012

OBLIVION



Este poema é uma homenagem e uma tradução em palavras da musica de Astor Piazzola cujo título procurei manter



Saiu pelo mundo
Dançando
Ao som da sua tristeza

As lágrimas
Caiam sobre a partitura
Compondo
Os próximos acordes

A cada nota
Uma dor
A cada nota
Uma angústia
A cada nota
Uma mágoa

Mas seu choro era silencioso
De uma alma trancada
No fundo de um baú
Simplesmente oblivion
Simplesmente, esquecida

Má Antunes, 26/08/2012


segunda-feira, 20 de agosto de 2012

CHUVA DE INVERNO


          Parecia que ia ser uma segunda-feira como outra qualquer. Um dia ensolarado e seco de inverno. Temperatura um pouco alta para a estação. A agenda cheia fez a manhã passar sem eu perceber. Pausa para o almoço que saco vazio não para em pé.
         Como todos os dias coloquei o fone no ouvido, minha rádio preferida de sempre, música nacional, óculos escuros e fui para o restaurante de costume. Mesmo restaurante, mesma comida. Tudo seria como de costume se algo não tivesse mudado essa rotina.
         Chegando ao restaurante, assim que coloquei o pé na porta não pude deixar de perceber. Bem de frente para a porta, mal dava para enxergar. Com seus não mais do que dois anos, olhinhos de jabuticaba, bochechas rechonchudas e rosadas e cabelinho curto e cacheado. Nossos olhares se cruzaram de imediato. Fui seguindo em direção ao fundo do restaurante onde são colocados os rechôs com pratos quentes e frios e ela foi me acompanhando com o olhar até onde seu pescocinho conseguia aguentar.
         Servi-me na sequência de costume: primeiro a salada e depois os pratos quentes, e sem perceber acabei me sentando ao lado dela, como se uma energia tivesse me atraído até lá. Ela me sorriu e eu, correspondi. Comecei a comer e sem perceber toda minha pressa naquele momento tinha me abandonado. Comi mais devagar do que de costume. Saboreei cada pedacinho da minha comida. E ela, continuava a me olhar.
         Arrisquei uma conversa:
         - Tá gostoso esse papá?
Não sei por que temos essa mania estúpida de falar com crianças como se fossem uns bobos, pois nós é que parecemos bobos com esse diálogo infantil. Mas ela nada respondeu, apenas me sorriu. Um sorriso puro, ingênuo, daqueles que vem do fundo da alma. E me ofereceu sua batata frita.
- Não, obrigada! – respondi tentando corresponder o mesmo sorriso. E apesar de não ter a mesma pureza e a mesma ingenuidade, senti que meu sorriso também surgiu do fundo da minha alma. Alma que naquele momento estava mais leve.
Pela primeira vez depois de muito tempo consegui almoçar sem pensar em problemas, em contas para pagar, em expectativas futuras. Foi como se o mundo parasse naquele momento para o almoço.
Ela pegava uma batata frita, colocava na boca, mastigava e sorria. E eu, colocava um bocado de comida na boca, mastigava e também sorria. Foi uma conversa intensa sem nada dizermos uma para a outra. Um diálogo profundo de conversa de almas. Um momento terno. Um oásis no meu deserto de conflitos, dúvidas, angústias, frustrações e expectativas.
Terminada sua refeição, seu pai a carregou no colo e se dirigiu ao caixa que ficava bem na minha frente. Ela olhou para mim sorriu e acenou me dizendo “tchau”. Eu sorri e acenei também. Mas não senti neste momento um “adeus”, mas sim um “até breve”.
Esta teria sido uma segunda-feira como outra qualquer, se eu não tivesse almoçado ao lado de um anjo. Aquele sorriso fez chover na estiagem dos meus dias.

Má Antunes, 20/08/2012.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

CATADOR DE ESTRELAS


Só queria colher
Estrelas com as mãos

Plantou sonhos
No jardim da esperança

Regava todos os dias
Com sorrisos
E esperou crescer
Junto de suas expectativas

Um dia escalou a fé
E ordenhou a via láctea

Má Antunes, 11/08/2012.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

EPITÁFIO



Talvez eu termine meus dias
no silêncio do bater de asas
de uma borboleta.
Talvez eu termine meus dias
no canto de um passarinho.
Talvez, quando amanheça
eu seja o brilho
na gota de orvalho.
Talvez eu seja o galho
que ampara a flor para o beija-flor
e dá suporte ao ninho.
Talvez eu desperte, serena,
sereia nas águas doces
que escorrem dos olhos da montanha.
Talvez eu seja apenas o lamento
da folha seca que cai
na despedida do outono.
Talvez eu termine meus dias
no sorriso inocente da criança
empinando a pipa nos campos
Talvez eu renasça
no último suspiro da velhice
Talvez, quando a morte vier me buscar
eu esteja tão distraída
olhando a luz das estrelas
que ela passe, completamente,
despercebida.

Má Antunes, 03/08/2012.

DESPERTAR



Um dia, mais um dia, e mais um dia, e mais um dia e mais um dia
E mais um dia, mais um dia, mais um dia e mais um dia
Mais um dia, e mais um dia e mais um dia
E mais um dia, mais um dia
Mais um dia
E hoje
O dia não amanheceu.

Má Antunes, 03/08/2012.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

VÍCIO



O primeiro dia foi muito difícil. Passei o dia irritada, nervosa, tive até taquicardia. Dormir então, quem disse que o sono me vinha. A tentação era muito forte. Mas consegui resistir.
         O segundo dia foi um pouco mais brando, mas nem me arriscava a chegar perto. Nem por foto eu me atrevia a ver. Mas depois de ter vencido o primeiro dia senti que seria possível.
         Os dias foram passando e eu percebendo que conseguiria viver sem isso. Sentia-me cada vez mais forte. Sentia que era dona dos meus desejos, que eu os dominava e não eles a mim.
         Mas depois de um período de tempo veio a crise de abstinência. Aquele desejo enlouquecedor de ter aquilo novamente. Aí a gente pensa: “é só mais uma vez, só uma, só para sentir aquele gostinho novamente e depois me livro para sempre”. Um verdadeiro tormento da luta entre a razão e o desejo.
         Ah! Um dia ainda me livro desse vício de amar você!

sexta-feira, 27 de julho de 2012

TEMPERO MINEIRO



O corpo que ferve
No estalido da lenha
Nas brasas mansas
Do nosso fogão

É mais do que fome
É mais que apetite
É mais que paixão

É tempero mineiro
Que amacia a carne
A espera da sova
Das tuas mãos

Partes cobertas
Com folhas de couve
Disfarçam intenções
Do meu corpo nu

O suor que escorre
Salga o couro
Deixando molhado
E tenro o tutu

Desejo ardente
Frita o torresmo
E apimenta o angu

Trunfados os pelos
A pino esperam
Pra ferir tua boca
Tal como pequi

Vontade febril
Pururuca a pele
E escalda a loucura
Num afã frenesi

O calor desse fogo
Deixa tudo em chamas
Num vermelho rubi

Neste banquete
Sou mais que comida
Sou tua bandida
Sou tua refém

A mesa está posta
São apenas dois pratos
Só eu e você,
Mais ninguém

Passam as horas
A carne queimando...
Será que você vem?

Má Antunes, 28/12/2011

SEPARAÇÃO


Foi como a morte
No início
Saudade doía forte

Depois amenizou
Dor que alivia
Na cicatriz de um corte

Hoje,
É só uma lembrança
E a esperança
Que o tempo me reconforte

Má Antunes, 27/07/2012


quarta-feira, 25 de julho de 2012

DESPEDIDA



Provei teu sabor
Como quem prova
Duas gotas de cianureto

O sabor da tua morte
Escorre em meus lábios
E umedece
Meu colo
E minhas coxas

Ah! Como foi bom
Sentir o gosto do adeus.

Má Antunes, 25/07/2012

AMAR É...



Amar,
É mar
Mergulho profundo
Na escuridão do infinito
É gritar
Sem ouvir a voz do próprio grito
É acordar de um pesadelo
Aflito
Não respirar
E sentir o tórax contrito

Amar,
É deserto
Matar a sede
Num beijo incerto
É escaldar
Na areia do desacerto
Correr na neve
De peito aberto

Amar
É saltar no abismo
Que não tem fundo
É a dor que corrói
A alma de um moribundo
Coração que para
Por apenas um segundo
Procurar o amor
Indo até o fim do mundo

Má Antunes, 22/07/2012

domingo, 27 de maio de 2012

TEMPO


Foto de Sergio Ranalli

Só o tempo
pra diluir a saudade
fazer da fragilidade
um grande aprendizado.

Só o tempo
pra transformar as lembranças
em valiosa herança
numa história de vida.

Só o tempo
faz do presente passado
do futuro um presente esperado
uma surpresa, um suspense

Só o tempo
traz de volta um amor
afugenta a dor
de não ter sido amado

Só o tempo
transforma o choro em rizo
dá a força que preciso
pra continuar meu caminho

Só o tempo
faz do medo coragem
aumenta nossa bagagem
alivia o fardo

Só o tempo
é ferrugem que corrói a vida
faz da chegada partida
um ciclo sem fim

Só o tempo!

Má Antunes, 27/05/2012

segunda-feira, 7 de maio de 2012

DAS GERAIS PARA O PARTICULAR



Vai muito além das gerais
Dona de particulares encantos
E raras belezas magistrais
Suas histórias e mistérios são tantos
E ricas paisagens sem iguais

Submersas, há jazidas de pedras e cristais
Que se espalham por todo canto
E minas de preciosos metais
Recobertas por delicado manto
De valiosas florestas naturais

Sua alegria começa em carnavais
Onde marchinhas servem de acalanto
Para o povo reunido em festivais
Mas as marchas se estendem em dia santo
E se findam lá pras bandas dos natais

Das serras descem vias fluviais
E firmes rochas promovem o decanto
Represando suas águas em lindos cais
Mas conchas se encontram, entretanto
Nas margens de seus aluviais

Nas estradas se perdem cafezais
Em contraste com o gado em seu recanto
E equinos relinchando nos currais
Café com leite é sua marca, seu suplanto
Soberana a bebidas mais formais

Buquês de “sempre vivas” parecem algodoais
Derramando pelas rochas puro encanto
E pelos céus, brancuras angelicais
Também ervas que espantam o quebranto
Compões vasta rede de florais

Violeiros se encontram em recitais
Dando o tom para o povo em seu canto
Parcerias que resultam em corais
E preenchem suas noites de abrilhanto
Com divinas melodias regionais

As beatas nos salões paroquiais
Zelam pelos dias sacrossantos
Recitando textos dos missais
E o coro de crianças em brancos mantos
Parecem puros anjos celestiais

Há riquezas em trabalhos manuais
Tão perfeitos que causam espanto
Em belíssimos objetos esculturais
Materiais que vão do barro ao amianto
Compões lindas peças artesanais

Palavras faltam pra descrever seus arsenais
Não há vocábulos para tantos encantos
És um sonho, ó doce Minas Gerais!
Os que te deixam, o fazem aos prantos
E os que te conhecem, não esquecem jamais!

Má Antunes, 07/05/2012.

INÉRCIA



Éramos mais próximos quando estávamos distantes.
Hoje, sua respiração fria em minha nuca delata que estamos ligados apenas pela indiferença e por um cobertor curto.

Má Antunes, 07/05/2012.

domingo, 6 de maio de 2012

HOMICÍDIO



E um silêncio mórbido se fez após o golpe de misericórdia.
Esquartejado em mil pedaços seria impossível sua reconstituição.
Mas o coração ainda pulsava, lento e descompassado. Parecia clamar por mais uma chance.
Ela fechou os olhos, respirou fundo e manteve-se firme na decisão de enterrar para sempre esse amor.

Má Antunes, 06/05/2012.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

BIHLETE



Puxou a corda e viu
Que na outra ponta do fio
Havia apenas um bilhete
Desejando-lhe adeus
De quem para sempre
Partiu

Má Antunes, 27/04/2012

quarta-feira, 7 de março de 2012

TRAMA


Ali naquela praça
Tinha uma goiabeira
Embaixo da goiabeira
Um banco
Sem eira nem beira
Embaixo do banco
Uma aranha
Tecia uma vida inteira

Tecia as asas de um anjo
Enquanto o anjo dormia
Enquanto tecia
Cantava
E esbanjava sua alegria
E sentindo o roçar em suas asas
Dormindo o anjo sorria

Tecia horas a fio
Com sedas de folha de amora
Tramava cada fio com cuidado
E em cada fio
Tramava seus planos de outrora
À noite os fios desmanchava
Pro anjo nunca mais ir embora

Má Antunes, 06/03/2012

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

DESENGANO


Na iminência da paixão
Fez-se o silêncio
De corações
Amordaçados pelo medo

O que resta
É afogar as mágoas
No cale-se, do sangue
Que escorre na garganta
Cortada pelas palavras mal ditas,
Não ditas
Que regurgita
O amargo do desengano
No momento em que cai o pano
E mostra nua
A ferida aberta por mentiras
No momento em que tiras
Teu corpo, moribundo e fétido
Dilacerado das tentativas
De preencher um vazio
No qual não cabias

Má Antunes, 13/02/2012 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

SONETO DE LAMENTO




Lá no alto, a lua triste e ali sozinha
Se lamenta de saudade pelo sol
Incansável, fica a espera do arrebol
Lá no alto, a lua triste e ali sozinha

Agonizante, repousa a pobrezinha
Sob nuvens, que te vestem de lençol
Ouvindo atenta cantar o rouxinol
Que anuncia o chegar da manhãzinha

Solidárias, Três-Marias se aproximam
E por consolo, um brilho ofertam em prol
Para aquela que no alto ali definha

Vão embora, pois meu gosto subestimam
Não há brilho que me aquece como o sol
Responde a lua, tão triste e ali sozinha

Má Antunes, 31/01/2012

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

OPOSTO



OPOSTO

Você é o meu avesso
Minha porção de loucura
Meu menino travesso
Lado oculto do meu ser
Um lado que não conheço
A parte que me joga pra vida
Um lado que não tem preço

Você é meu sonho
É o ritmo e a rima
Dos versos que componho
Poética da minha prosa
Um conto tristonho
É a dureza da crônica
Um pesadelo medonho

Você é meu sal
Tempero da minha vida
Você é o meu mal
É o mar que me banha
Meu lado irracional
Rompe convenções
Faz meu mundo irreal

Você é canção
Melodia que me embala
Minha inspiração
Bagunça minhas ideias
Dá asas a imaginação
Sabota meu mundo
Com você
Eu perco a noção

Você é fruto proibido
Pecado capital
Que aguça a minha libido
Maçã apetitosa
Que me expulsa do paraíso
Por você vou até o inferno
Por você,
Eu perco o sentido

Você é meu verso
É o meu lado insano
Você é meu reverso
Pensamento que amo
Meu lado perverso
Um mundo sinistro
Parte do meu universo

Você é meu desgosto
É o meu desespero
Meu sol frio de agosto
Imagem distorcida
Em você vejo meu rosto
Você é meu sorriso
Você,
É o meu lado oposto

Má Antunes, 08/01/2012