terça-feira, 13 de dezembro de 2011

DISTRAÇÃO



Dormi no ponto
Perdi o trem
Quem sabe volte amanhã
Pra me libertar do amor
Do qual me faz refém

Má antunes, 13/12/2011

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

CARDIOPATIA




Entre dois átrios e dois ventrículos
Pulsa seu nome
Preso entre uma isquemia
E um prolapso da válvula mitral

Má Antunes, 12/12/2011

CORAÇÃO PAULISTANO

Homenagem aos 120 anos da Avenida Paulista

Avenida Paulista, um universo de diversidade étnica, estética, ecológica, arquitetônica e cultural. Andar por suas ruas por um minuto é ter a sensação de ter dado a volta ao mundo. Um universo quase paralelo, onde o imaginário torna-se real.
És a mais paulista das paulistas. Teus canteiros tem mais flores, tuas ruas tem mais vida e por você são muitos amores.
Quem tem coração paulistano palpita ao pisar no seu chão. 
Quem tem coração paulistano sente o amor da mãe que a todos acolhe com seus braços fraternos.
Quem tem coração paulistano suplica seu colo e suga em teu seio o alimento que mantém essa raça.
Quem tem coração paulistano te pede a bênção todas as noites para ter a certeza de mais um dia.
Quem tem coração paulistano ouve o cantar dos sabiás e bem-te-vis que natureza se incumbe de selecionar para manter seus encantos.
Quem tem coração paulistano vê a beleza que a maturidade lhe conferiu te transformando em um dos mais significativos postais. 
Quem tem coração paulistano ainda sente o cheiro dos cafezais .
Quem tem coração paulistano sente em teu plano a sabedoria acumulada por tantos anos de história.
Quem tem coração paulistano sabe do maravilhoso sabor de ser parte integrante desse cenário que por muitas vezes sediou inesquecíveis momentos.
És o símbolo desta cidade que te pertence. 
Avenida Paulista, quem te conhece não esquece jamais. 

Má Antunes

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

ESPELHOS D'ÁGUA



Sobre esse fresco recosto
Onde derramo minha mágoa
A sorrir vejo seu rosto
Refletido em espelhos d’água

Má Antunes, 30/10/2011

domingo, 23 de outubro de 2011

BRILHO NO OLHAR


Planto estrelas em teu olhar
Para colher
Uma constelação em teu sorriso

Anseio por sentir
O calor do sol no teu abraço
Aquecendo o inverno
Em que se transformam meus dias
Quando a tua primavera
Faz-se ausente

Permita-me deslizar
No arco-íris do teu céu
E encontrarei no final dele,
O ouro do teu carinho

Faz do teu colo o meu ninho
Planta em meu coração
As sementes do teu amor
E as regarei todos os dias
Para que no próximo outono
Possas colher
O fogo do verão em que me torno
Quando vejo despontar
A primeira estrela nos teus olhos

Má Antunes, 21/10/2011.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

ESTRANHO SORRISO



A falência da empresa; a dissolução do casamento; a briga pela guarda dos filhos; a morte do melhor amigo; os péssimos resultados dos exames de rotina. Um conjunto de fatores que agregados fazia-lhe perder o gosto pela vida. Foi assim que acordou naquela manhã, sentindo-se num buraco negro. Que motivos tinha ainda para continuar? Era com essa pergunta na cabeça que saiu de casa pela manhã, andando pelas ruas sem rumo e sem saber o que fazer.
Parou na esquina aguardando que abrisse o sinal de pedestres.
E se atravessasse agora? Passou essa questão repentinamente em sua cabeça. Mas o trânsito estava tão tranquilo que os carros teriam tempo suficiente de frear sem conseguir dar cabo da sua vida. Iria apenas arrumar mais um problema: quebrar-se todo e ainda não teria dinheiro para arcar com os custos do hospital. Que droga, não tinha competência nem para um suicídio decente!
Seu olhar perdia-se ao longo da faixa de pedestres até que encontrou-se com um outro olhar. Bem ali, do doutro lado da rua, estava uma senhora de seus 80 anos, cabelos brancos, pele alva, olhos azuis como o céu. Parecia um anjo na terra. E de repente ela lhe abriu um largo sorriso, desses que iluminam um quarteirão numa noite escura.
Olhou atentamente, pois achou que tratava-se de alguma conhecida. Mas puxou pela memória e aquele rosto não lhe parecia nada familiar. Será que era alguém que o conhecera ainda pequenino? Realmente não se lembrava.
O sinal abriu para os pedestres, então começou a travessia sem tirar os olhos daquela mulher (e ela dele). E ela continuava a lhe sorrir.
Chegava cada vez mais próximo, mas seu semblante não lembrava ninguém. Agora tinha certeza, nunca tinha visto aquele rosto antes.
Ao passar por ela sentiu seus pulmões encherem-se de ar como se um anjo tivesse lhe soprado à boca. Aquilo só podia ser um anjo, não tinha outra explicação. Sentia agora seu corpo mais forte, mais ereto, tinha até vontade de sorrir. Chegou ao outro lado da rua como se tivesse atravessado a ponte para uma nova vida. Olhou para trás para pelo menos retribuir o sorriso, mas o anjo tinha desaparecido na multidão.

Má Antunes, 17/10/2011.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

OBITUÁRIO


Nas páginas da minha solidão
Teu nome em letras garrafais
Anunciam
O jazer de um amor ferido.

Má Antunes, 05/10/2011

sábado, 27 de agosto de 2011

PERDAS E DANOS

 


O medo de perder
É o medo
De não ter
O que não se tem

É o medo
De encontrar o frio
No vazio
Das palavras mortas

De olhar atrás da porta
E não ver a rota
Do reencontro

Medo
De voltar
Ao mesmo ponto

O medo de perder
É o medo
De puxar a corda
E encontrar na ponta
Um nó desfeito

De abrir o peito
E encontrar um câncer
Que não tem mais jeito

Abrir os olhos
E perceber
Que nada é perfeito

O medo de perder
É o medo de sonhar
E acordar
De um pesadelo


É o medo que se tem
De não atender
O próprio apelo

De partir migalhas
E ter que reconhecer
A própria falha

O medo de perder
É o medo que se tem
De perder a fé

Olhar no espelho
E não saber mais
Quem se é.

Má Antunes, 25/08/2011.



terça-feira, 23 de agosto de 2011

A ÚLTIMA CHANCE



        Ele foi se aproximando de mansinho, pé-ante-pé, com o intuito de não acordá-la.
        Deslizou suavemente a mão em seu rosto. Uma pele alva, ávida, macia e aveludada com a pétala de uma flor (como sempre imaginou).
        Tinha uma expressão tranquila e serena de quem dormia um sono profundo. Não queria acordá-la, apenar realizar este seu último desejo de tocá-la.
     Beijou levemente seus lábios subitamente cianóticos. Um beijo frio, árido da indiferença que sentia por ele.
Ela sempre o rejeitou. Dizia sentir nojo dele. Por isso tinha que aproveitar aquele momento único em que ela não reagiria. Dormia um sono profundo.
Apanhou uma flor que estava em seu redor e depositou em seus cabelos longos e negros. Mas era ela quem enfeitava a flor. Tinha uma beleza rara que dispensava qualquer adereço.
Ficou horas observando aquela imagem como se quisesse guardá-la para sempre em sua memória. A amaria para sempre mesmo ela rejeitando esse amor. A amaria para sempre mesmo sabendo que agora esse amor não seria mais possível.
Após deixar uma lágrima se projetar de seus olhos sobre o rosto dela, escorregando lentamente até se perder em sua nuca, cobriu-a com o véu liberando o corpo para que o caixão fosse fechado e dessem prosseguimento ao enterro.
E quando a imagem dele sumia para sempre no campo coberto pela neblina ela levantou-se, dando um longo suspiro de alívio por ter finalmente conseguido livrar-se dessa obsessão.

Má Antunes, 22/08/2011.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

FRAGMENTOS

 


Não procure em mim
A pureza de um anjo
Apenas me procure

Não procure em mim
A beleza das flores
Apenas me procure

Não procure em mim
A serenidade da noite
Apenas me procure

Não procure em mim
O toque suave da brisa
Apenas me procure

Não procure em mim
A alegria dos pássaros
Apenas me procure

Não procure em mim
A grandeza do mar
Apenas me procure

Não procure em mim
Coisas que não vai encontrar
Mas, por favor,
Me procure!

Má Antunes, 05/08/2011.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

HORIZONTE

Compôs um samba pra ela
na cadência das estrelas.

Pendurou paletó e chapéu
no gancho da lua crescente.

Sacudiu o pó da via Láctea.

Afofou nuvens
e deitou-se sob o véu da noite.

Adormeceu
esperando que o universo
conspirasse ao seu favor.

Má Antunes, 06/07/2011

terça-feira, 21 de junho de 2011

ESTIO














Você vem,
Preenche meu vazio
Faz meu suor
jorrar como um rio
Da minha pele
só arrepio
E quando já estou
quase por um fio
Miando
feito gata no cio
Sentindo na barriga
aquele frio
Você vai,
e me deixa
no mais puro estio.

Má Antunes, 20/06/11.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

SUTIL


Minha alma ta tão leve
Que de leve voa ao vento
Voa leve feito pluma
Procurando o seu alento

Vai quicando aqui e ali
Parece até bola de gás
Vai descendo de mansinho
Voa e cai em Minas Gerais

Minha alma ta tão leve
Que de leve ao vento voa
Voa feito passarinho
Viajando assim à toa

Sobrevoa o pé da serra
Pelas matas te procura
Corre rios e montanhas
Busca fonte d’água pura

Pra matar a minha sede
Só tua boca à minha serve
Não me venha c’outra oferta
Pois senão meu sangue ferve

Minha alma ta tão leve
Voa leve feito brisa
Te procura em toda parte
De saudade agoniza

Mas depois de muitos dias
Pés e asas criam calo
Não te acho em nenhum canto
Volto embora pra São Paulo.

Má Antunes, 17/06/2011.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

SEM-TERRA



          Abraçava a terra como quem abraçava o mundo.
         O corpo entregue lhe permitia sentir um sabor que jamais provara antes: gosto fértil; gosto doce.
         O odor de terra molhada o inebriava feito perfume raro.
         Os olhos fechados o faziam perder a percepção da dimensão daquele espaço.
         Quanto tempo sonhou com aquele momento.
         Agora era sua, somente sua. Ninguém o tiraria dali.
         Estava feliz, apesar de ter sido enterrado como indigente.

         Má Antunes, 15/06/2011

terça-feira, 17 de maio de 2011

LINHA DO TEMPO


E o tempo parou
Pra eternizar a saudade
Que corta minhas entranhas

Só precisava
De um fio de tempo
Para costurar minha alma
Que de tão dilacerada
Tão gasta
Já não basta
Nem pra enxugar
As lágrimas que vertem
Do meu peito dormente

Má Antunes, 16/05/2011.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

INSANIDADE


Me embriago no mel
Dos teus olhos insanos
Que me lançam no abismo
No mais puro engano

No espiral da garganta
Da grande serpente
No abismo que encanta
Toma conta da mente

E vejo tudo girando, girando...
Como um barco sem leme
Sinto as ondas quebrando
É meu corpo que treme

O controle procuro
De uma vida tão certa
Quero um porto seguro
Uma casa coberta

Mas me entrego aos teus planos
De uma vida funesta
Hoje, sou só desenganos
Festa é o que nos resta!

Inspirado no romance “O Irresistível Charme da Insanidade”, de Ricardo Kelmer.

Má Antunes, 12/05/2011.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

REPAGINAR


Despejo palavras sobre o papel
Uma vírgula aqui, uma exclamação ali,
Aqui cabe um ponto final.
Rabisco, amasso, jogo o papel
Começo novamente
Aqui é melhor um ponto e vírgula
No lugar da exclamação uma interrogação
Hum, melhor não colocar ponto final aqui
Novamente rabisco, amasso, jogo fora
Acho que vou colocar dois pontos aqui
E aqui, reticências...
Mais uma vez rabisco, amasso, jogo
Não, aqui é melhor colocar entre parênteses
Abro aspas aqui e ali é que coloco ponto final
Pulo uma linha e inicio novo parágrafo
Poxa! Como é difícil reescrever o presente.

Má Antunes, 11/05/2011

terça-feira, 10 de maio de 2011

INOCÊNCIA


O meu hábito te encanta
Te enlouquece, te alucina
Mas não sou nenhuma santa
Tenho fogo de menina

Uso roupas comportadas
Mais pareço uma freira
Mas embaixo da mortalha
Vestimentas são faceiras

Você diz que sou pudica
Me coloca no altar
Mas bebendo dessa bica
Você bem que vai gostar

Má Antunes, 07/05/2011.

domingo, 8 de maio de 2011

ANESTESIA


Apenas uma anestesia
Que amenizou as dores
Que a vida,
Impiedosa, cravejou
Feito espinhos em meu passado

Agora, adormeço
Embalada pelo torpor
Das tuas lembranças.

Má Antunes, 05/05/2011.

A BAILARINA DA CAIXINHA DE MÚSICA


        Quando nasci, ganhei de presente uma caixinha de música. Adormecia todas as noites embalada por aquela melodia. O som que escorregava do céu feito arco íris, era meu sedativo e meu analgésico.
         Foi como descobrir o mundo quando consegui ficar em pé e ver, bem ali em cima da minha cômoda, aquela caixinha dourada com desenhos em relevo prateado. E em cima da caixinha, lá estava ela, a bailarina.
         Perdia-me no tempo, num estado quase hipnótico, observando o rodopiar num vai e vem da pequena boneca. Aquela imagem me parecia familiar. Aos poucos comecei a saltitar no berço acompanhando os movimentos dela.
         Logo nos meus primeiros passos, rodopiava junto com a bailarina sempre que minha mãe colocava a caixinha para tocar. Conquistei o encanto de meus pais que logo cedo perceberam meu talento. E quando completei cinco anos me matricularam em uma escola de balé.
         Dedicava-me ao balé mais do que aos estudos. Fui afinando os movimentos como um escultor dá forma a um pedaço de madeira. Não me contentava em ser apenas mais uma.
         Ao longo dos anos continuei empenhada nas minhas aulas, aprimorando meus passos. Até que um dia, recebi uma proposta de minha professora para uma apresentação em coreografia solo. Tão grande foi a minha surpresa, quando ela colocou para tocar a música que seria tema da apresentação. Algo tocou fundo dentro de mim: era a música “Cisne ao Luar”, da peça Lago dos Cisnes de Tchaikovsky. A música da minha caixinha de música.
         Pensei estar tendo uma alucinação. Era inacreditável que eu iria dançar justamente aquela música. Estava prestes a dar vida para a bailarina da caixinha de música.
         Ensaiei fervorosamente para que a coreografia ficasse perfeita. Os calos que se formaram em meus pés registraram para sempre aquele momento tão especial da minha vida. Nada era mais importante para mim do que dançar aquela música.
         Finalmente chegou o grande dia. Platéia cheia, nervosismo em flor. Subi ao palco e, ao bailar os primeiros movimentos um filme começou a passar em minha mente. Lembrei da primeira vez que ouvi aquela música, de quando descobri a bailarina, dos meus primeiros rodopios.
         A música acabou; as luzes se apagaram; a cortina fechou; e a bailarina adormeceu serena e realizada em sua caixinha.

         Má Antunes, 04/05/2011.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

REFLEXO



O sorriso refletido no espelho
É a sombra de um passado feliz
São as sobras de uma alegria fugaz
Restos de uma promessa em vão

A imagem suspensa
É reflexo e reflexão
São lembranças,
De um cantinho na serra
De borboletas
a dançar em nosso jardim

Vejo ainda seu corpo
Derramando em minha pele
Resíduos de um desejo perene

Fecho os olhos,
Apago o sorriso
Na frieza de uma noite sem lua
E o desejo de boa noite
Para uma noite
Que não tem mais fim

Má Antunes, 28/04/2011.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

ESQUINAS DA VIDA

Em cada esquina da vida
Há um destino de tocaia
Pronto pra nos surpreender
Passar um “rabo-de-arraia”

Em cada canto uma chacina
Aniquilando nossos sonhos
Nos trazendo à realidade
Por pesadelos tão medonhos

Em cada olhar um espanto
Um desejo, decepção
Uma vontade, uma alegria,
Uma tortura, uma ilusão

Em cada curva existe um jogo
Uma verdade que rebate
Como fosse um tabuleiro
Nos colocando em cheque-mate

Em cada esquina da vida
Briga o quero e o não dever
Disputa o anjo e o demônio
Em guerra fria de poder

Má Antunes, 27/04/2011

domingo, 1 de maio de 2011

O ENCONTRO


        Laura estava navegando na internet, em um site de relacionamentos, quando de repente vê um sinal vermelho no canto esquerdo da tela: era um pedido de adição de amigo. Antes de dar o aceite ela entra no perfil para conferir as condições. Ricardo, 44 anos, com uma foto de um homem lindo. “É muita esmola”, pensou ela, mas pagou para ver, aceitou-o como amigo em seu perfil.
         Não tardou para chegar uma mensagem dele: “seja bem vinda, é sempre muito bom fazer novos amigos”.
         Ela retribuiu carinhosamente o recado sinalizando um tímido interesse em conhecê-lo melhor.
         Assim que teve acesso ao perfil dele tratou de vasculhar tudo. Mas as informações eram breves e não existiam mais fotos no mural a não ser a foto do perfil, o que aguçava a sua curiosidade em saber mais sobre ele. Porém, resistiu ao início de uma inquisição para não parecer que estava se oferecendo.
         O tempo foi passando sem nenhuma outra manifestação até que um dia, quando ela navegava on-line pelo site, sua atenção é despertada por um rápido barulho e uma caixa de texto que se abriu no canto direito da tela.
         - Oi – iniciava Ricardo num bate-papo.
         - Oi – respondeu ela contendo sua ansiedade.
         - Tudo bem com você? – continuou ele abrindo o precedente para uma conversa que se estendeu quase noite à dentro.
         Aquele velho discurso: o que você faz? Onde você mora? O que gosta de fazer? Blá, blá, blá, e as conversas foram se tornando freqüentes e cada vez mais íntimas.
         Conversaram por uns dois meses até que finalmente marcaram um encontro. Ricardo e Laura moravam em cidades diferentes, separados por uns bons quilômetros, o que dificultava o encontro.
         Ricardo conseguira uma hospedagem na casa de amigos que moravam na mesma cidade que Laura, proporcionando a oportunidade de finalmente se conhecerem pessoalmente.
         Laura tinha várias fotos em seu mural e isto permitiu a Ricardo marcar bem o seu rosto. Ela insistia para ele lhe enviar mais fotos, mas ele alegava que não gostava de ser fotografado, porém, insistia que sua foto do perfil refletia suas imagem atual.
         Marcaram o encontro com uma semana de antecedência para a agonia dela. Semana que demorou uma década para passar.
         Como ele chegaria à cidade na sexta-feira no final da tarde insistiu em buscá-la na saída do trabalho. Ela resistia, queria estar produzida para o primeiro encontro, mas ele a convenceu dizendo que queria conhecê-la o mais natural possível.
         Hum, natural? Naquele dia Laura foi trabalhar como se fosse para um baile de gala, despertando a curiosidade de todos. Porém, ela nada contou a ninguém, guardou tudo no mais absoluto segredo.
         Marcaram o encontro em um café que ficava em frente ao prédio onde ela trabalhava, do outro lado da avenida. Um lugar aberto e bem movimentado, garantindo assim uma certa segurança à Laura.
         Ela olhava as horas a cada cinco minutos e respirava fundo para dissipar a sua ansiedade. Quando o relógio apontou 18:00h suas mãos começaram a suar em bica e seu corpo era um tremor só. Retocou a maquiagem e saiu controlando os passos para não correr.
         Naquele dia parecia que o elevador resolveu fazer escalas em todos os andares. Desceria pelas escadas se não estivesse no 9º andar. Quando a porta do elevador se abriu seu coração disparou junto com o sinal de mensagem do seu celular: “já estou aqui te aguardando”, dizia Ricardo na mensagem.
         Ela tentava esconder seu nervosismo, mas tinha a impressão que todos no elevador notavam a sua alteração.
         Saiu do prédio e caminhou até o semáforo acionando o botão do sinal para pedestres. Mais uma eternidade até que o sinal de pedestres ficasse verde para ela. “Não sei por que existe esse botão se demora o mesmo tempo que demoraria se não tivesse sido apertado”, pensava ela enquanto olhava para dentro do café na tentativa de avistar Ricardo.
         De repente, o som de uma longa buzina acompanhado de uma freada seca e o baque que joga Laura a metros de altura fazendo-a cair atrás do carro, batendo com a cabeça no chão. O motorista saiu desesperado para prestar socorro.
         - Oh, meu Deus! Eu não vi o sinal ficar vermelho! – gritava ele enquanto acionava o resgate.
         Não demorou a juntar gente que logo foi dispersado com a chegada do resgate.
         Após uma rápida avaliação dos paramédicos um triste diagnóstico: morte instantânea por traumatismo craniano.
         Laura morreu sem conhecer Ricardo.

         Má Antunes, 27/04/2011.