segunda-feira, 20 de agosto de 2012

CHUVA DE INVERNO


          Parecia que ia ser uma segunda-feira como outra qualquer. Um dia ensolarado e seco de inverno. Temperatura um pouco alta para a estação. A agenda cheia fez a manhã passar sem eu perceber. Pausa para o almoço que saco vazio não para em pé.
         Como todos os dias coloquei o fone no ouvido, minha rádio preferida de sempre, música nacional, óculos escuros e fui para o restaurante de costume. Mesmo restaurante, mesma comida. Tudo seria como de costume se algo não tivesse mudado essa rotina.
         Chegando ao restaurante, assim que coloquei o pé na porta não pude deixar de perceber. Bem de frente para a porta, mal dava para enxergar. Com seus não mais do que dois anos, olhinhos de jabuticaba, bochechas rechonchudas e rosadas e cabelinho curto e cacheado. Nossos olhares se cruzaram de imediato. Fui seguindo em direção ao fundo do restaurante onde são colocados os rechôs com pratos quentes e frios e ela foi me acompanhando com o olhar até onde seu pescocinho conseguia aguentar.
         Servi-me na sequência de costume: primeiro a salada e depois os pratos quentes, e sem perceber acabei me sentando ao lado dela, como se uma energia tivesse me atraído até lá. Ela me sorriu e eu, correspondi. Comecei a comer e sem perceber toda minha pressa naquele momento tinha me abandonado. Comi mais devagar do que de costume. Saboreei cada pedacinho da minha comida. E ela, continuava a me olhar.
         Arrisquei uma conversa:
         - Tá gostoso esse papá?
Não sei por que temos essa mania estúpida de falar com crianças como se fossem uns bobos, pois nós é que parecemos bobos com esse diálogo infantil. Mas ela nada respondeu, apenas me sorriu. Um sorriso puro, ingênuo, daqueles que vem do fundo da alma. E me ofereceu sua batata frita.
- Não, obrigada! – respondi tentando corresponder o mesmo sorriso. E apesar de não ter a mesma pureza e a mesma ingenuidade, senti que meu sorriso também surgiu do fundo da minha alma. Alma que naquele momento estava mais leve.
Pela primeira vez depois de muito tempo consegui almoçar sem pensar em problemas, em contas para pagar, em expectativas futuras. Foi como se o mundo parasse naquele momento para o almoço.
Ela pegava uma batata frita, colocava na boca, mastigava e sorria. E eu, colocava um bocado de comida na boca, mastigava e também sorria. Foi uma conversa intensa sem nada dizermos uma para a outra. Um diálogo profundo de conversa de almas. Um momento terno. Um oásis no meu deserto de conflitos, dúvidas, angústias, frustrações e expectativas.
Terminada sua refeição, seu pai a carregou no colo e se dirigiu ao caixa que ficava bem na minha frente. Ela olhou para mim sorriu e acenou me dizendo “tchau”. Eu sorri e acenei também. Mas não senti neste momento um “adeus”, mas sim um “até breve”.
Esta teria sido uma segunda-feira como outra qualquer, se eu não tivesse almoçado ao lado de um anjo. Aquele sorriso fez chover na estiagem dos meus dias.

Má Antunes, 20/08/2012.

Um comentário:

  1. Nossa... Foi bom poder ler isso agora, MC! Me tocou de tal forma, esse escrito, relato, sei lá... Só sei que me tocou. =)

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