domingo, 8 de maio de 2011

A BAILARINA DA CAIXINHA DE MÚSICA


        Quando nasci, ganhei de presente uma caixinha de música. Adormecia todas as noites embalada por aquela melodia. O som que escorregava do céu feito arco íris, era meu sedativo e meu analgésico.
         Foi como descobrir o mundo quando consegui ficar em pé e ver, bem ali em cima da minha cômoda, aquela caixinha dourada com desenhos em relevo prateado. E em cima da caixinha, lá estava ela, a bailarina.
         Perdia-me no tempo, num estado quase hipnótico, observando o rodopiar num vai e vem da pequena boneca. Aquela imagem me parecia familiar. Aos poucos comecei a saltitar no berço acompanhando os movimentos dela.
         Logo nos meus primeiros passos, rodopiava junto com a bailarina sempre que minha mãe colocava a caixinha para tocar. Conquistei o encanto de meus pais que logo cedo perceberam meu talento. E quando completei cinco anos me matricularam em uma escola de balé.
         Dedicava-me ao balé mais do que aos estudos. Fui afinando os movimentos como um escultor dá forma a um pedaço de madeira. Não me contentava em ser apenas mais uma.
         Ao longo dos anos continuei empenhada nas minhas aulas, aprimorando meus passos. Até que um dia, recebi uma proposta de minha professora para uma apresentação em coreografia solo. Tão grande foi a minha surpresa, quando ela colocou para tocar a música que seria tema da apresentação. Algo tocou fundo dentro de mim: era a música “Cisne ao Luar”, da peça Lago dos Cisnes de Tchaikovsky. A música da minha caixinha de música.
         Pensei estar tendo uma alucinação. Era inacreditável que eu iria dançar justamente aquela música. Estava prestes a dar vida para a bailarina da caixinha de música.
         Ensaiei fervorosamente para que a coreografia ficasse perfeita. Os calos que se formaram em meus pés registraram para sempre aquele momento tão especial da minha vida. Nada era mais importante para mim do que dançar aquela música.
         Finalmente chegou o grande dia. Platéia cheia, nervosismo em flor. Subi ao palco e, ao bailar os primeiros movimentos um filme começou a passar em minha mente. Lembrei da primeira vez que ouvi aquela música, de quando descobri a bailarina, dos meus primeiros rodopios.
         A música acabou; as luzes se apagaram; a cortina fechou; e a bailarina adormeceu serena e realizada em sua caixinha.

         Má Antunes, 04/05/2011.

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