domingo, 3 de outubro de 2010

CENA


Meu show terminou.
Saio de cena como um palhaço triste escondendo por trás da maquiagem a dor que em meu peito persiste. O colarinho, mesmo largo, sufoca-me a garganta com as palavras que tiram acordes agudos das minhas cordas vocais.
Olho para trás e vejo o palhaço ainda em cena. Faz caretas, piruetas, ri da própria desgraça. Finge que chora, mas por dentro se debulha em lágrimas. A platéia também ri, pois não sabe que a dor que o palhaço simula é a dor que deveras sente.
No palco realidade e fantasia se confundem, e já não sei mais quem é o palhaço. Já não sei se ensaio a cena ou se vivo a dor encenada.
Em meu camarim olho no espelho e uso toda minha força para despir-me da maquiagem, mas parece que já faz parte de mim. E já não sei mais quem é o palhaço.
Tranco a fantasia no armário na esperança que junto com ela adormeça também a minha dor, e na anestesia de mais uma noite em claro, acorde um novo o palhaço.
Embriago-me com minhas lágrimas para que o torpor me faça sonhar outras realidades menos morbidas. Quem sabe possa ser outro palhaço.
E na angústia de não saber mais quem é o ator e quem é o palhaço, espero pelo próximo espetáculo.

Má Antunes, 15/03/2010

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