domingo, 3 de outubro de 2010

O MURO


         Foi deixado no orfanato logo que nasceu. A mãe morreu na dificuldade do parto. O pai, desconhecido. A idade avançada dos avós e o moralismo da cidade de interior impediram que ele crescesse no seio da família.
         Deram-lhe no hospital o nome de Renato (O Renascido), pois com muita dificuldade conseguiram trazê-lo de volta a vida. Mas a falta de oxigênio no cérebro provocou-lhe a paralisia dos membros inferiores. Assim que o menino teve condições de respirar sem a ajuda dos aparelhos, foi deixado por uma enfermeira na “Casa do Menino Jesus”, um abrigo para menores mantido pelas freiras de um convento da cidade.
         Deficiente e de pele escura, Renato sequer entrava na fila de espera para adoção. “Quem vai querer essa encrenca?”, murmuravam as freiras como se nem mesmo Deus pudesse ouvi-las. Então, Renato cresceu no cárcere do orfanato.
         Passava os dias em sua cadeira de rodas no jardim do orfanato, olhando perdidamente para um muro alto que não permitia ver o que se passava do outro lado. As freiras achavam que a paralisia cerebral tinha afetado também o seu raciocínio. Em razão disso pouco interagiam com ele e deixavam-no abandonado no jardim, de frente para o muro. Muro que separava Renato do mundo ao mesmo tempo o levava para mundos diversos, mundos da imaginação.
         Renato nunca saiu do orfanato. Tudo o que conhecia a respeito do mundo era através da televisão. Ele também tinha um amigo, Gabriel. Um amigo também deficiente, da visão. Um amigo que não via. Um amigo que ninguém via. Então, Renato passava os dias descrevendo para Gabriel o mundo que existia por trás do muro.
         - A cidade está sendo invadida por discos voadores vindos de outras galáxias – dizia Renato para seu amigo sem visão.
         - Agora estão chegando os dinossauros. São muitos! Vão destruir a cidade!
         Assim passava os dias, a relatar ao seu único companheiro como seria a suposta vida do outro lado do muro. Foi assim por muitos anos. Um dia sairia dali, acreditava Renato. Conheceria o real mundo que a enorme venda imposta diante de seus olhos não lhe permitia ver.
         Mas numa tarde fria de outono, forte garoa caiu sobre a cidade. As freiras, entretidas com seus afazeres, esqueceram Renato no jardim, debaixo da garoa. O resultado: uma terrível pneumonia o acometeu. E a precariedade intencional dos recursos do orfanato acabou provocando a morte do menino.
         E finalmente Renato pode atravessar o muro e conhecer os mistérios que se escondiam do outro lado.

         Má Antunes, 29/06/2010.

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