domingo, 3 de outubro de 2010

SUJEITO OCULTO


            A conversa estava animada quando me dei conta do adiantado da hora. Minha casa ficava a poucas quadras dali, então resolvi ir embora a pé e sozinha, apesar da insistência dos meus amigos. Vesti meu casaco e enveredei pelo beco encapuzada como um membro de uma seita secreta.
            Noite fria e nebulosa, quase não se via nada a mais de cem metros. Nem os gatos arriscavam suas serenatas de cio e coito.
Caminhava com passos firmes pelo meio da rua quando percebi que um vulto me acompanhava. Apressei o passo e notei que o gatuno fizera o mesmo, apesar de nem ouvir seu trote. Um frio me percorreu a espinha demarcando todas as minhas trinta e duas vértebras. Neste momento começava a me arrepender de não ter aceitado a oferta dos meus amigos, mas agora era tarde demais.
            Tentando mostrar indiferença pus-me a pensar qual seria a minha estratégia para despistar de vez aquele malandro. Pegar o celular e ligar para um dos meus amigos seria uma roubada, ou melhor, eu seria roubada (idéia abortada).
            Comecei a andar de um lado para outro da rua na esperança de me certificar que seria apenas mais uma pessoa simplesmente percorrendo seu trajeto. Mas para minha infelicidade, usando minha visão periférica, notei que o elemento fazia o mesmo e continuava a me perseguir.
            Apertei mais o passo e caminhei paralela a calçada quando de repente senti algo bater em meu ombro. Num gesto abrupto e instintivo olhei por cima do ombro e me deparei com as folhas do galho de uma árvore que o vento soprara em minha direção. Mas cadê o infeliz? Teria sido mais rápido do que eu e se escondido atrás da árvore ou em uma das casas?
            Respirei aliviada certa de que tinha me livrado daquele enrosco e continuei meu caminho. Faltavam apenas poucas quadras até chegar ao meu porto seguro. Mas para minha surpresa notei que o vulto estava novamente na minha cola. Parecia estar mais perto agora, mas sequer podia sentir a sua respiração.
            Arrisquei mais um gesto repentino na tentativa de botar medo naquele covarde. E de novo ele foi mais rápido e desapareceu feito fumaça no ar.
            Comecei a pensar na possibilidade dele entrar comigo em minha casa e “fazer a festa”. Não podia mais perder tempo. Lancei-me a correr pelos poucos metros que ainda faltavam e entrei em casa quase levando a porta no peito. Tranquei todas as fechaduras e, sem acender as luzes, espiei pela janela para registrar os traços mal traçados do meu perseguidor. Mas a rua estava completamente deserta. Onde teria se escondido o sujeito?


        Má Antunes, 17/05/2010.

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