domingo, 3 de outubro de 2010

SENTENÇA DE MORTE

Postei o envelope ainda lacrado sobre a mesa e corri para a janela, não para me atirar do 21º andar, mas para contemplar o que talvez fosse o meu último pôr-do-sol.
Com aquele calor alaranjado a nutrir o que ainda restava de mim pensei: “puxa, esperava viver 100 anos. Planejava fazer aquela tão sonhada viagem daqui a dois anos. E aquela casinha no campo que iria construir, e viver feliz para sempre com aquela pessoa que ainda nem tinha decidido aceitar o compromisso?”
Dissimulada, mirei pelo canto dos olhos o envelope branco e, imaginando ser aquilo uma tela, nele projetei toda minha história. E, como uma mera expectadora, assisti tudo àquilo que poderia chamar de vida. Assisti a meu nascer, a dar os primeiros passos, ao primeiro beijo, ao primeiro adeus. Quantas alegrias e sofrimentos rodaram naquela pequena tela! Quantos projetos não concretizei! Quantas viagens que não fiz! E agora? O que me resta, senão o arrependimento de ter deixado me dominar pelo medo, pela covardia de encarar a vida de frente?
Pois é, agora foi a vida que resolveu me encarar. Essa voz que ecoa no meu ouvido a perguntar: por quê? Por que você não lutou pelo que queria? Por que recuou da possibilidade de ser feliz? Por que deixou de lado seus empreendimentos, só por medo de uma situação nova? Por quê? Por quê? Por quê?...
Atordoada e impulsionada por tantos “porquês”, num gesto de misericórdia me atirei em direção à mesa e saquei aquele envelope como quem saca uma arma e aponta para a cabeça. De forma a usurpar minhas últimas energias, destruí em mil pedaços aquele delator que insistia anunciar a minha morte.
A certeza da morte, ah, essa temos desde o nascer. De que interessa saber o dia e a hora?
Respirei fundo, preparei uma xícara de chá e, num ímpeto de criança que acaba de sair do útero, passei a mão ao telefone e liguei para aquele que esperava ser meu companheiro para o resto da minha vida.
E enquanto ouvia a melodia a chamar do outro lado da linha pensava comigo: “caixões enterram defuntos, e não velhos, e a linha que divide a vida e a morte é muito tênue.”
Desde então passei a renascer todos os dias, e viver cada segundo como se fosse o último de minha vida.

Má Antunes, 30/04/2010.

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