domingo, 3 de outubro de 2010

PAIXÃO NAS ALTURAS


         Planava no céu com suas plumas enegrecidas como a noite sem lua e sem estrelas. O olhar periférico procurava por uma presa fácil, imóvel pelo óbito.
         O odor fétido de matéria em decomposição lhe atraiu em direção aos morros. Mas durante sua trajetória foi surpreendido por uma linda visão que o fez postergar a hora da refeição.
         Será uma miragem? Um arco-íris de asas? Pensou ele, planando em volta dela ensaiando uma dança de acasalamento.
         Mas ela nem tomou conhecimento do flerte, continuou seu vôo distraidamente.
         Ele insistiu, fazendo as mais arriscadas acrobacias, mas ela continuou a ignorá-lo.
         Sabia ele que pertenciam a espécies diferentes. Sabia ele não ser digno de tão majestosa criatura. Mas mesmo assim, insistia numa conquista.
         E ela continuava a deslizar sobre o céu sem dar a mínima importância aos gracejos daquele macho exarcebado.
         Exausto de tantos malabarismos e indignado com a indiferença dela, recolheu-se a sua insignificância de lixeiro da natureza e buscou outros prazeres da carne.
         Foi assim, a história do urubu que se apaixonou por uma asa-delta.

Má Antunes, 09/07/2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário