domingo, 3 de outubro de 2010

O QUE MAIS PODE DAR ERRADO?


           Aquele seria um dos dias mais importantes da minha vida. Havia conseguido aquela tão sonhada entrevista para o cargo de diretor de uma multinacional. Nada poderia dar errado, por isso planejei tudo com certa folga de horário. Olhei no guia para traçar o melhor trajeto. O convencional normalmente é muito congestionado, portanto tracei um caminho alternativo. Deixei separada a roupa que vestiria, meias ao lado dos sapatos. Barbeei-me à noite cuidadosamente para não cortar o rosto. Até a mesa do café deixei posta. Tudo no esquema para que fluísse harmonicamente. Programei meu rádio-relógio para despertar com uma hora de antecedência à minha saída e me deitei para dormir. É claro que com aquela ansiedade toda o sono demoraria a vir, por isso peguei um livro de poesias para relaxar a mente e fui tentando desviar meus pensamentos até que o sono tomasse conta de mim. Bem, isso aconteceu mais ou menos por volta das três da manhã.
         Acordei num sobressalto com a impressão de não ter ouvido o relógio despertar. E não tinha mesmo, durante a madrugada faltou energia e desprogramou meu relógio, e quando acordei via somente aquele 12:00 piscando incessantemente como um eco a me chamar: otário, otário, otário... Levantei correndo da cama em direção a minha escrivaninha para olhar as horas no meu celular, acertando em cheio com meu dedo mínimo o pé da mesa. Recuperei o fôlego perdido pela dor quando me certifiquei que faltavam apenas quinze minutos para eu sair no horário que tinha programado.
         Sem perder tempo corri para o chuveiro para um “banho de gato”. E teria que ser banho de gato mesmo, pois quando abri a torneira não caiu sequer uma gota. Havia me esquecido totalmente que recebi um comunicado do síndico informando que a caixa d’água do prédio estava em manutenção e que o registro seria fechado naquela manhã para o conserto. Como eu havia tomado banho na noite anterior, nada que um bom perfume importado não resolvesse. Vesti-me e fui tomar apenas uma xícara de café, pois já não teria tempo para comer.
         Havia ligado a cafeteira enquanto me arrumava para que o café já estivesse pronto. Na pressa tentei tomar a xícara toda em um único gole, me esquecendo totalmente que o café estaria quente. E ao sentir minha língua frigir como um bife na chapa, num gesto involuntário, regurgitei o café derrubando na minha camisa. Que merda! Justo esta semana que a faxineira não veio e não tenho outra camisa passada no guarda-roupa. Vou ter que usar aquela camisa de nylon roxa que ganhei de presente de amigo secreto (aliás, amigo da onça, porque para dar de presente uma camisa feita com tecido de caixão de defunto só poderia ser meu inimigo). Mas era a única que tinha disponível no momento e não podia mais perder tempo. Difícil foi encontrar uma gravata que combinasse com aquela maravilha.
         Finalmente consegui sair de casa. Mas ao chegar à garagem, tanan!!! O pneu do carro estava furado. Na altura do campeonato não conseguia pensar em outra coisa senão que aquilo tudo só poderia ser inveja. Quem mandou eu sair contando para todo mundo que teria aquela entrevista, bem feito. Quem manda querer cantar vitória antes do final do jogo. Como não teria tempo para trocar o pneu e também me sujaria todo, resolvi pegar um taxi.
         É só em novela que táxis passam a toda hora pela rua, principalmente em uma rua sem movimento como a minha. Maldita hora em que resolvi procurar um lugar tranqüilo para morar. Perguntei ao porteiro do prédio se conhecia algum ponto de taxi ali por perto, mas é claro que o Welviscleiton recém chegado da Bahia não conhecia nada por ali. Fui andando até uma avenida mais movimentada para ver se daria mais sorte.
         Consegui pegar um táxi depois de dez minutos de espera. Como já tinha traçado a minha rota fui indicando para o motorista. Foi a minha sorte, pois ele não era da região e não conhecia nada por ali. Mas sorte de pobre dura pouco, pois no meio do trajeto tinha uma obra da prefeitura que desviava o caminho e um congestionamento enorme. Parecia que todo mundo tinha decidido fazer aquele caminho naquele dia. Já estava começando a me conformar em perder aquela vaga de emprego quando meu celular toca: era a secretária do meu possível chefe informando que ele tivera um imprevisto e que atrasaria minha entrevista por uma hora. Nem um orgasmo me deixaria tão aliviado e relaxando quanto fiquei com aquele telefonema. Acho que alguém lá em cima teve dó de mim.
         Cheguei em frente ao prédio da empresa faltando quinze minutos para minha entrevista. Teria tempo de subir, tomar uma água e respirar. É, respirar. É o que eu iria precisar muito, pois a falta de energia atingiu outros bairros da cidade e danificou o sistema de elevadores do prédio. Mas o que era subir treze andares pela escada, bobagem! Principalmente para alguém sedentário como eu, iria cair duro no chão no quarto andar. Aquilo só poderia ser um teste que fazia parte do processo de seleção, pensava eu tentando me dar forças quando já estava no nono andar.
         Parei em frente à mesa da secretária como quem atinge linha de chegada de uma maratona em primeiro lugar: com o sorriso de orelha a orelha e completamente sem fôlego. A secretária muito simpática e educada me ofereceu um café e pediu que eu aguardasse, pois o presidente estava em um telefonema importante e demoraria um pouco mais para me atender. Café? Nem pensar! Aceitei apenas um copo de água e me sentei no sofá da recepção pra me recuperar. Fui respirando fundo e meu corpo todo adormecendo depois de tanta adrenalina, e logo sinto um sono tomando conta de mim. Acordei assustado com um barulho que pensei ser meu celular tocando, mas quando olhei para o lado era o meu despertador tocando no horário programado. Aff! Tudo não passou de um terrível pesadelo.
            Má Antunes, 10/06/2010.

        

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